Há cerca de 11 anos venho falando sobre Comunicação Inclusiva, que no meu entendimento vai para além do que tem sido chamado de Linguagem Inclusiva. Aliás, quando comecei a ministrar workshops falando sobre o tema (2010), meu foco era restrito a aplicação de conceitos e ferramentas voltados às pessoas com deficiência. Mas com o passar dos anos e a ampliação das discussões sobre inclusão da diversidade, foi ficando mais claro para mim que a comunicação é um dos principais fatores do processo de inclusão do ser humano e significa participação, convivência e sociabilização, devendo ser ampliado para as questões de gênero, identidade, orientação afetiva-sexual, cor e raça e todas as suas interseccionalidades.
A comunicação é um processo transversal, não sendo, portanto, nem ponto de chegada, nem de partida. Comunicação é meio, sobretudo no que tange à inclusão da diversidade. E por ser meio, é preciso que a conectemos com vários outros conceitos relacionados aos grupos sociais, com atenção especial para aqueles identificados por meio do conceito dos marcadores sociais da diferença (pessoas com deficiência, pessoas LGBTQIA+, negros e negras e mulheres, por exemplo), suas características e processos sócio-históricos.
Não é possível falarmos de comunicação ou linguagem inclusiva e nos atermos apenas ao exercício da neutralidade de gênero, o reconhecimento dos pronomes a partir da afirmação das identidades ou mesmo no cuidado com as terminologias e neologismos sem analisarmos como estes processos se construíram no tempo espaço. Reitero que essa discussão é muito importante, e há muita gente séria e comprometida qualificando esse debate. Mas é preciso, para além das “técnicas”, pesquisar, estudar e dialogar mais e mais sobre as demandas e história dos grupos minorizados e subalternizados.
Percebi ao longo dos anos, que as expectativas de muitas das pessoas que encontrei nesses workshops sempre foi bem parecida: receber uma lista de dicas, boas práticas e “manuais” de como exercitar a tal linguagem inclusiva. Como se, de posse destas “dicas infalíveis” não se fizesse necessário conhecer e reconhecer as pessoas “por trás” desses manuais, suas histórias e subjetividades. Ou seja, é preciso humanizar as relações e manifestar um real interesse e reconhecimento das singularidades.
Além disso, também aprendi que aquilo que parece ser óbvio para mim, precisa continuar sendo dito, pois pode não ser tão óbvio assim para os meus interlocutores. Não se trata apenas de uma questão semântica ou mesmo da incorporação de novos padrões de linguagem ou substituição dos radicais de gênero. E neste mês em que refletimos e celebramos o “Orgulho LGBT+”, proponho uma reflexão a partir de quatro pontos que, a meu ver estruturam um profícuo caminho para uma Comunicação Inclusiva:
1- Letramento: qual é o seu repertório sobre diversidade e inclusão e os infinitos temas relacionados a esses conceitos? Quais as suas referências no campo da história, da filosofia, das artes, da educação, da cultura ou mesmo da sua área de atuação? Há um padrão nas características dessas referências? Há mais mulheres ou homens? Há pessoas trans, pessoas com deficiência, LGBTQIA+ e negros e negras? Se essas / esses personagens forem muito parecidas (os) entre si ou mesmo com você, então, é preciso ampliar seu olhar.
2- Respeito: costumo dizer que o respeito é a pedra fundamental para o estabelecimento de qualquer relação humana. Isso não quer dizer que devamos “aceitar” todas as singularidades das outras pessoas. Não preciso “aceitar” a religiosidade ou a falta dela, os costumes, a orientação afetiva-sexual, a identidade de gênero e tantas outras características, mas é fundamental que eu respeite! E é a partir do respeito que exercitamos os outros dois pontos.
3- Empatia: parece até um pouco senso comum, mas talvez possamos mudar a perspectiva e olhar para a empatia a partir do “exercício”. Ou seja, diferentemente do que habitualmente ouvimos, de que a empatia é “se colocar no lugar do outro”, prefiro defini-la como sendo “o exercício de se aproximar com genuíno interesse pelo outro”, pois é impossível, para mim, Lincoln, do meu lugar de incontáveis privilégios de um homem cisgênero, branco e heterossexual “me colocar” no lugar de uma pessoa trans, lésbica, gay ou bissexual, por exemplo. E isso nos leva para o último ponto.
4- Alteridade: já ouviu falar? Significa, de maneira simplificada, reconhecer o outro como semelhante, embora distinto com suas características peculiares. Também gosto muito do significado apontado pelo mestre Mario Sérgio Cortella, que define alteridade como “a capacidade de ver o outro como outro e não como estranho”. Ou seja, trata-se de um exercício de humanidade, que não vê a outra pessoa como superior, ou inferior, mas reconhece-a, fundamentalmente, como pessoa!
Portanto, neste mês de junho, em que temos a oportunidade de dialogar e aprender com as pessoas LGBTQIA+, suas lutas, histórias e orgulho de ser e estar neste mundo, podemos (e devemos), procurá-las ativamente e ouvi-las com alteridade, empatia e respeito para, a partir daí, ampliarmos a nossa perspectiva de humanidade para enxergar na comunicação, ou linguagem inclusiva uma chance de tornar a nossa convivência mais harmoniosa e rica de possibilidades. Para isso, o aprendizado e a aprendizagem são fundamentais, pois como dizia o patrono da educação brasileira, Paulo Freire: “Os homens se educam entre si mediados pelo mundo”.
Abraços Inclusivos!
Lincoln Tavares de Melo
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Pai da Maria Lídia, Educador, Palestrante, Jornalista e Pós-Graduando em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global pela PUC do Rio Grande do Sul. Atualmente dedica-se à Mentoria e Curadoria de Programas de Diversidade e Inclusão, bem como, a facilitação de Jornadas Educadoras sobre o tema.